quarta-feira, 30 de maio de 2012

Aos amigos

ali, aqui,
agora, além,
atemporal...
amigo.

assim, assaz,
abraço, alívio,
austeridade...
amigo.

alguém, amém,
anjo, avenida,
amor...
amigo.

amigo, amiga,
amados,
aliados,
alma.

Fábio Pedro Racoski

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Run boy, run

Parafraseando as Confissões,
de Santo Agostinho.
Livro Oitavo,
Capítulo XII: "A conversão".

Sentia-me ainda preso aos cômodos dias do meu não-ser, e lamentava: “Até quando? Até quando direi amanhã, amanhã? Por que não hoje? Por que não acabar agora com meus medos? Por que não agir ao invés de esperar?”

Assim eu falava enquanto chorava, com o coração esmagado pelo peso dos meus anos não amadurecidos. O tempo passou, eu permaneci. Mas eis que ouço passos cruzando o vazio do meu tempo em minha direção. Sem saber de onde, levo dois tapas na cara. Uma voz dizia: “Levante! Corra! Deixe de ser covarde!”.

Levantei-me. Uma só ideia se passava em minha mente: é mais do que hora. É preciso ser agora. E dane-se meu planeta cômodo e descabido: a destruição desse mundo antigo e obsoleto começa hoje.

Fábio Pedro Racoski

domingo, 27 de maio de 2012

Afã

No seu corpo revolta
eu fui o tempo:
passei rápido,
sem volta,
esquecimento...

Na pressa de provar
desfaz o gosto.
Promessas estampadas
rosto a rosto,
criadas a se perder
em pensamento.

A Ruiva Diz

sexta-feira, 25 de maio de 2012

#microconto

Seu silêncio escondia os gritos mais primitivos.

Fábio Pedro Racoski

Agora não te quero

agora não te quero.
não serão tuas
minhas palavras
de amor rasgado.
e de mais ninguém.

agora não te quero.
não serei teu
nos meus pensamentos
mais egoístas.
só teu.

agora não te quero.
sigamos nós
nossos caminhos
opostos.
espero na esquina.

agora não te quero
porque te quero.

Fábio Pedro Racoski

domingo, 20 de maio de 2012

Não me queira

não me queira.
não sou uma pessoa
boa para ser desejada.
não será bom pra você,
sou contraditório,
teimoso,
infantil,
humano.

não me queira.
não sou desejável
para seus desejos.
não sou bom pra você,
sou insano,
quixotesco,
lunar,
lunático.

não me queira.
não sou querido.
tenho muitos defeitos,
poucas virtudes,
e um desvio de caráter
que ouso cultivar:
ser humano.

Fábio Pedro Racoski

quinta-feira, 17 de maio de 2012

O melhor eu

Saibam vocês que, apesar dos gritos infantis e dos risos despreocupados, este palhaço-poeta que aqui se apresenta é um homem. Inseguro, sensível, frio, louco, apaixonado por seus amigos, entregue ao amor, afoito, irônico, silente...

Um homem com suas criancices. Um menino com desejos e objetivos de gente grande. Um ser humano, aprendiz, compartilhador. Alguém que tem defeitos tão latentes quanto as virtudes. Gênio como é da genialidade humana. Fraco como é do medo do Homo Sapiens. Criativo como é da curiosidade do bicho homem. Enfim, alguém com 46 cromossomos, que erra, que acerta, que chora, que ri, que fala palavrão, que se contém, que explode... Alguém como vocês, naquilo que escondem e que mostram. Mas não naquilo que mentem (e que minto).

Sou mais um da espécie. Mas sou único, assim como vocês. Às vezes herói, às vezes vilão, por vezes covarde. Miserável nas riquezas e rico nas misérias. Não sou a melhor pessoa que você pode conhecer, mas sou o melhor eu que conheço.

Fábio Pedro Racoski
Minha crítica à religião é que esta teima em reduzir tudo ao intocável, ao místico. A humanidade, o indivíduo e suas virtudes, o questionamento (tão próprio do ser humano), isso é deixado de lado.

Não apenas

a noite passou,
o dia chegou,
e lá se foram
horas, dias.

já não respirava
sem ritmo,
mas aguardava
com paciência.

já não se sentia
desprovido
de presença,
mas precavido
de ausência.

já não chorava
a falta de som,
mas contemplava
o silêncio.

já não era paixão.

não apenas.

Fábio Pedro Racoski

Meu verso

dedico meu verso
ao meu universo
de amigos irmãos
tão loucos e sãos
quanto eu a dançar
a esmo no ar.

dedico meu verso
singelo e perverso
a esse mundinho
tão grande e mesquinho
mas que me dá cores
mais fortes que as dores.

dedico meu verso
inverso, transverso
a todo poeta
com alma repleta
de intensidade
de humanidade.

Fábio Pedro Racoski

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Sinal

na varanda
caçando luar
ao delicioso som
da sua voz
sensualmente
sussurrante.

o frio
já não esfria
este corpo quente
como há muito
não aquecia.

é agora
e não depois.

é hoje,
sempre hoje,
e não amanhã.

Fábio Pedro Racoski

terça-feira, 8 de maio de 2012

Joker

esse
meu riso é
só um pouco
de insanidade
divina
para dias
de sanidade
infernal.

Fábio Pedro Racoski

A divagar

minha sina
é ser devagar

pensando bem
minha virtude
é ser
devagar

Fábio Pedro Racoski

Crash

pode demorar
vou me apavorar
mas andando torto
parecendo morto
vou me libertando
desse inferno brando
que prende o meu bem
e solta meu nem.

Fábio Pedro Racoski

sexta-feira, 4 de maio de 2012

#microconto

Seu riso são escondia dores insanas.

Fábio Pedro Racoski

A queda

Mais um dia de trabalho duro para Jesuíno. Antes que o Sol tocasse seu rosto, já estava na obra. Paredes a erguer, chãos a fabricar, janelas a emoldurar... O segundo andar de uma grande casa de três andares já podia ser avistado no horizonte em uma vila de casas rasas. O patrão tinha muito dinheiro. Tanto dinheiro quanto as dúvidas que doíam na cabeça de Jesuíno.

O que somos? De onde viemos? Para onde vamos? Por que o salário mínimo não garante todas as necessidades de alimentação, saúde, moradia, cultura, lazer, prazer, pensamento? Por que o tempo não dá uma folga para o cérebro?

Jesuíno estudou pouco. Mas gostava de ler. Paulo Coelho, manuais, Ziraldo, Kafka, Lima Barreto... Por vezes sua cabeça doía, mas gostava dessa dor. Era um masoquismo por conhecimento. Ele sabia que conhecer é poder.

Certo dia, já no terceiro andar, divagando em suas dores entre as palavras que havia decorado de um Nietzsche, Jesuíno distraiu-se e caiu. Caiu. Caiu. Continuou caindo. Não sabia se aquele era o momento eterno das lembranças de uma vida que precede o instante da morte, ou se, enfim, o tempo havia dado uma folga ao seu cérebro. Continuou caindo por horas, dias... Todas as palavras que rasgavam sua mente, todos os pensamentos que doíam em sua cabeça, passaram, ao longo da queda, a ter sabores deliciosos, perfumes agradáveis. A cada palavra degustada mais uma vez, a cada pensamento experimentado novamente, Jesuíno sentia um prazer nunca antes vivido. Seu cérebro parecia se expandir durante a queda. E novas palavras, novos pensamentos, passaram a habitar aquele empreendimento tão atrativo para saberes esquecidos.

Caiu. Acordou com os gritos de sua esposa, algumas escoriações e uma perna quebrada. O corpo doía, mas sua mente estava em êxtase. O patrão tinha muito dinheiro, mandou Jesuíno para um hospital caro. Assim que recebeu alta, matriculou-se para voltar a estudar e começou a escrever as primeiras linhas de seu livro. Uma obra prima. Agora ele tinha algo mais valioso que o dinheiro do patrão.

Fábio Pedro Racoski