quinta-feira, 29 de abril de 2010

Canção da Redenção

Procurando o que criar, escrever, versejar, encontrei uma bela interpretação para Redemption Song:

quarta-feira, 28 de abril de 2010

SUS

Matilde queixava-se de dores, enjoo, calafrios. Foi ao pronto socorro do HC, onde ficou presa, em observação, esperando a visita dos médicos. Depois de muito tempo, levantou da cadeira de espera e disse a um doutor que passava: "eu vou embora". "Mas ainda não sabemos o que você tem", disse o médico. "Eu já sei, doutor: é uma menina".

segunda-feira, 26 de abril de 2010

As flores

Em Portugal,
os capitães
de Salgueiro Maia
fizeram, sem sangue jorrado,
a Revolução dos Cravos.

No Brasil,
uma flor de bosta
simbolizou uma anistia
que libertava às ruas
carrascos e vítimas
para construir
uma democracia
imbecil.

Fábio Pedro Racoski

Hayastan

Não sou armênio,
mas gostaria de sê-lo
uma vez.

Sentir os sabores
daquele canto do Cáucaso.
Sentir os valores
de uma história milenar
correndo nas veias.

Não sou armênio,
mas gostaria de sê-lo
uma vez.

Cantar a fé,
sobreviver a holocaustos
esquecidos pela história.
Olhar para os turcos
não com ódio,
mas com memória.

Não sou armênio,
mas gostaria de sê-lo
uma vez.
Não por piedade
ou compaixão
de suas dores
fitando o Ararat
no horizonte.
Simplesmente
por necessidade
de ser poesia.

Fábio Pedro Racoski

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Exílio em própria terra

O frio tão esperado
não vem aqui.
O sol rabisca
as paredes secas.
Pela janela, os prédios
no horizonte
desenham tristemente
a frase:
SEM TI.

Fábio Pedro Racoski

Endoscopia

Diabo filmador.
Entrou em mim,
causou-me agonias
mortais
e levou-me
o que eu não tinha.

Fábio Pedro Racoski

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Voltamos!

Sim, voltamos, caro leitor, querida leitora! O Rádio Gordo está de volta, e eu, operado e com absorventes íntimos femininos na barriga (!), estou em casa, feliz, na dieta dos copinhos de café. Ah, é terrível: iogurte, AdeS, Nutren, suco natural, chá, gelatina... 100ml a cada 30 ou 40 minutos. Uma beleza!

Depois de uma noite alucinante, onde tive delírios kafkianos e cortazarenhos (não lembrava o meu nome, o nome da minha mãe, pensava estar numa cidade feita de retalhos das minhas memórias e que se desmanchava, junto comigo), já tenho um grande acervo de ideias para textos novos, que aparecerão aos poucos, entre uma refeição e outra.

Agradeço a todos pela paciência, pelos votos de melhoras, pela força passada numa visita, em comentários, em boas vibrações, no pensamento. Obrigado, leitores, colegas, amigos.

É: talvez eu tenha que mudar o endereço do Blogue agora (é difícil, pois ainda continuarei gordo, Rádio Menos Gordo!)...

Deixo-lhes um vídeo que mostra mais ou menos como se deu minha cirurgia:

Depois ele expandirá até comportar uns 200, 300ml. Então, nada de campeonatos de comilança!

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Tudo certinho

Olá...
Estou usando este espaço no blog do meu irmão para informar que na cirurgia foi tudo bem!
Ele ainda está internado para recuperação, mais está bem.
Logo ele deve voltar a se comunicar...
Porém, os recados que deixaram aqui durante este tempo foram levados até ele e tem animado bastante a sua recuperação!
Obrigada a todos
Micheli Racoski (a irmã)

sábado, 10 de abril de 2010

ATENÇÃO

O Rádio Gordo ficará fora do ar por algum tempo. Mas por uma boa causa: na quarta-feira, dia 14 de abril, farei a cirurgia bariátrica (a Capella, sem coral!).

Assim que tiver novamente acesso à internet, atualizarei o blogue com contos, poemas, dietas mínimas (isso não).

Deixo-lhes um poema escrito já na enfermaria.

Enfermaria

Aqui do céu é tudo tão belo.
Seria mais belo se eu pudesse voar.

Vejo pessoas
formigas,
vejo carros,
piscinas, ruas.
Tudo no fosco tom
da janela que não se abre.

Aqui do céu é tudo tão belo.
Seria mais belo se eu pudesse voar.

Até prédios
feios e sérios
tornam-se palácios.
Palhaços olhos,
que enxergam alegria nessa dor.

Aqui do céu é tudo tão belo.
Seria mais belo se eu pudesse voar.

Um dia saio daqui.
Um dia pulo,
abro os braços
para uma nova vida.
E eu nem percebi:
ela já começou.

Aqui do céu é tudo tão belo.
Até esqueci que já estou a voar.

Escrito por: Fábio Pedro Racoski
Digitado por: Micheli Cristine Racoski (erros por minha conta)

sábado, 3 de abril de 2010

O que queria é o que quero

Queria
viver.
Queria
voltar.
E queria
refazer.
Como ia
desfrutar!

Como eu queria
ser com alguém.
Como eu queria
não ser refém.
Ah, como eu queria
viver tempestade...
Ah, como eu seria
feliz de verdade!

Queria ter um amor juvenil
antes que o tempo me faça senil.

Fábio Pedro Racoski

quinta-feira, 1 de abril de 2010

A fuga

Era mais um dia de trabalho duro para Jair. Segunda-feira, cinco da manhã, e já estava pronto, com seu uniforme de piloto e capacete. A velha moto custava a pegar no frio matinal, mas, depois de muito barulho – o que certamente incomodava os vizinhos –, saía como um veículo de competição.

Jair trabalhava do outro lado da cidade. De madrugada, sem trânsito, demorava uns quarenta minutos para chegar até a firma. O vento frio cortava a pele de suas mãos debaixo das luvas. A sensação era horrível para ele, ainda mais o Jair, que odeia frio. Era um arrepio que o fazia piscar mais fortemente os olhos.

Aquela terça-feira prometia ser diferente, desde o café com leite extremamente doce tomado às pressas. Já próximo ao serviço, Jair piscou mais forte novamente e, inexplicavelmente, não conseguia abrir os olhos. Desesperado, tentou parar a velha moto, mas esta seguia num acelerando insano. Jair pensou que ia morrer. Sentiu que a moto era puxada, e que o frio havia sumido.

Um estrondo. Desmaio. Depois de algumas horas, Jair abre os olhos. Ainda enxergando vultos, percebe uma luz solar estranha, incomum para aquela estação e aquela cidade. Sente ares quentes tocarem sua jaqueta de couro, o que lhe faz sentir como numa panela de pressão. Arranca do corpo a jaqueta, ficando apenas com a surrada camiseta azul, já tomada pelo suor. Ainda sem enxergar de forma satisfatória, Jair procura sua moto, sem encontrá-la. “Fui roubado!”, repetia. Cambaleia de um lado a outro, até chocar-se com uma parede. A náusea causada pelo clima começa a diminuir; Jair esfrega as mãos nos olhos e consegue melhorar o foco de sua visão. A parede onde estava encostado era transparente. Alguns metros à direita, e outra parede de vidro, acrílico ou coisa parecida. O mesmo para todas as direções: estava preso numa cela invisível.

“Preso numa cela de artista moderno, sem minha moto, só com meu capacete, minha jaqueta e minha mochila. O que mais pode acontecer de errado agora?”, indagava-se Jair, antes de perceber a paisagem. Estava numa praia: areia e mar, menos o chão pobremente pavimentado de sua cela. Umas palmeiras para um lado, uns coqueiros para outro lado, uma selva do lado contrário ao mar. E mais nada: parecia um lugar deserto.

Os braços já estavam roxos de tanto Jair beliscar-se. “Acaba, sonho maldito. Preciso ir trabalhar!” Ele não acreditava que aquilo era real. Afinal, num instante ele estava numa cidade longe do mar, indo trabalhar; no outro, depois de acordar de um desmaio estranho, estava num lugar que lembrava as fotos do Havaí, das praias nordestinas, daqueles lugares no Oceano Pacífico. “O que eu comi pra pirar assim?”, questionava-se Jair, ainda cético com seu novo mundo.

Desistindo de não acreditar, ou entrando na loucura do que acreditava ser sonho, Jair gritava por ajuda. “Tem alguém aí? Pato Donald, Saci, Angelina Jolie?”, brincava, assustado, com seu delírio. Já rouco, percebeu que alguém – ou alguma coisa – se aproximava lá no horizonte, vindo da selva. Era muito peludo para ser humano. E muito alto também. Ao aproximar-se e descer para as quatro patas, Jair percebeu que se tratava de um urso. Viu que o animal trazia uma bolsa pendurada no pescoço. Dessa bolsa, o urso tirou, com suas patas desajeitadas, um punhado de amendoins, que jogou para Jair, por cima da cela transparente.

“Agora só falta esse urso falar comigo!”, ironizava-se Jair, que tentava entender qual a razão de um urso alimentá-lo, ele, um ser humano, dentro de uma cela de vidro. Quase como uma resposta a Jair, o urso falou. “Venham! Ele acordou! Deve estar com muita fome.”, dizia o urso para alguém que não era o ser humano ali em questão. Dito isto, surgiu da selva um punhado de ursos. Filhotes, velhos, grandes, pequenos... Uma multidão de animais quadrúpedes com o pelo escuro.

Aqueles ursos vieram para ver Jair. “Será que vieram porque eu sou o almoço?”, perguntava-se Jair, já sem humor e apavorado. Poderiam ter vindo para assisti-lo, ou por um ritual desconhecido. Mas o que Jair logo percebeu, é que aqueles ursos vieram “passear num zoológico”, e a única atração era ele. Essa resolução o deixou mais assustado e, no ápice do medo, o cérebro de Jair planejava fugas. Quebrar os vidros, como? Pular sobre as paredes, de que forma (pareciam altas)? Até que chegou a um plano que envolvia a maior habilidade do animal humano: enganar. Era simples: finge estar doente, um dos ursos entra para ver o que está acontecendo, dribla o urso e foge. Simples, sim. Fácil? Com certeza não.

Um grande alvoroço dos ursos – devia ser o fim de semana deles. Jair aproveitou para fazer sua cena de pantomima. Pôs a mão no estômago e fez-se cair. A multidão de ursos ficou quieta. O primeiro urso – aquele que lhe alimentou – abriu uma porta corrediça, também transparente, que Jair não identificara na cela. Entrou, ficou olhando o ser humano ali caído. No momento que colocou o focinho dentro da bolsa que carregava, Jair levantou numa agilidade de ginasta, jogou o capacete na testa do animal e saiu a correr pela porta – agora visível, pelos reflexos dos vidros sobrepostos. Antes do urso que ia socorrê-lo pegá-lo, Jair fechou-o dentro da cela.

Jair corria como um atleta olímpico. A multidão de ursos continuava parada, do lado de fora, assustada com a fuga de um animal perigoso. “Deu certo! Ninguém veio atrás de mim!”, disse Jair, comemorando sua vitória. Mas era cedo para comemorar: Jair sentiu uma picada na coxa. Quando olhou para trás, viu um urso que parecia sorrir. “Pegamos esse fujão!”, dizia o urso. Com o veneno começando a fazer efeito, Jair perguntou, ebriamente, aos algozes ursos: “Por que vocês me querem numa jaula? Por que eu sou atração para um bando de animais selvagens?” Antes de desmaiar sob o efeito do tranquilizante, ele ouviu a resposta do urso. “Será que ainda não percebeu? O único animal selvagem aqui é você!”

Um estrondo. Desmaio. Depois de algumas horas, Jair abre os olhos. Ainda enxergando vultos, percebe luzes estranhas, incomuns para sua selva. Sente ares quentes tocarem seus pelos, o que lhe faz sentir mal. Ainda sem enxergar de forma satisfatória, o urso Jair encosta-se nas grades de sua cela. “Não consegui!”, repetia. Cambaleia de um lado a outro, até perceber que estava novamente em sua realidade. A náusea causada pelo tranquilizante começa a diminuir. “Era um sonho. Eu sonhei que era humano, e tinha um emprego.”, lamenta o urso, enquanto espera pelo dia seguinte, que será domingo. Muitos humanos para vê-lo, talvez devorá-lo.

Coleta de sangue

Agulhas entrando
nos meus braços.
Onde está a veia?
Cadê a artéria?

Espetadas infinitas
desesperando
minha pressão,
quase nula.

Sou um zumbi,
um morto-vivo
que só sinto vida
no fim da picada.

Fábio Pedro Racoski