Autor: Jorge Bucay
Tradução: Fábio Pedro Racoski
Tradução: Fábio Pedro Racoski
É uma postagem mais longa. Clique aqui para lê-la.
Era uma vez, num reino distante, um rei que gostava de se sentir poderoso. Não se satisfazia em apenas ter poder: ele precisava que todos o admirassem por ser poderoso, assim como a madrasta da Branca de Neve não se contentava em ver-se bela, também o rei necessitava ver-se num espelho que dissesse o quanto ele era poderoso.
O rei não tinha espelhos mágicos, mas contava com uma multidão de cortesãos e servos ao seu redor, a quem perguntava se era o mais poderoso do reino.
Todos diziam a mesma coisa:
— Vossa Alteza é muito poderosa, mas o mago tem um poder que ninguém possui: ele sabe o futuro.
Naquele tempo, alquimistas, filósofos, pensadores, religiosos e místicos eram chamados genericamente de “magos”.
O rei tinha inveja do mago do reino que, além de ter fama de homem bom e generoso, o povo todo o amava, o admirava e festejava o fato de ele existir e viver ali.
Não diziam o mesmo do rei.
Talvez porque necessitasse demonstrar seu poder, o rei não era justo, nem equilibrado e muito menos bondoso.
Um dia, cansado de tanto ouvir as pessoas contarem o quanto o mago era querido ou motivado pela mistura de paixões e temores que gera a inveja, o rei arquitetou um plano: organizaria uma grande festa para qual convidaria ao mago; depois do jantar, pediria a atenção de todos. Chamaria o mago para o centro do salão e, diante dos cortesãos, perguntaria se era verdade que sabia ler o futuro. O convidado tinha duas alternativas: dizer que não, destruindo a admiração dos demais, ou dizer que sim, confirmando o motivo de sua fama. O rei estava seguro que o mago escolheria a segunda alternativa. Pediria, então, que dissesse o dia em que o mago ia morrer. Este daria uma resposta, um dia qualquer, não importava qual. Nesse mesmo momento, o rei planejava sacar sua espada e matá-lo. Conseguiria, com isso, duas coisas de uma só vez: a primeira, livrar-se de seu inimigo para sempre; a segunda, mostrar que o mago não pudera adivinhar seu futuro e que errara em sua visão. Tudo acabaria em uma só noite. O mago e o mito de seus poderes...
Os preparativos começaram logo e, em pouco tempo, o dia da festa chegou. Depois do jantar, o rei trouxe o mago ao centro e, diante do silêncio de todos, perguntou:
— É verdade que você pode ler o futuro?
— Um pouco — disse o mago.
— E pode ler o próprio futuro? — perguntou o rei.
— Um pouco — disse o mago.
— Então, quero que me dê uma prova — disse o rei. — Que dia você vai morrer? Qual a data de sua morte?
O mago sorriu, olhou em seus olhos e não respondeu.
— O que foi, mago? — disse o rei, sorridente. — Não sabe? Não é verdade que você pode ler o futuro?
— Não é isso — disse o mago —, mas o que sei: não me animo a dizer.
— Como não se anima? — disse o rei. — Eu sou seu soberano e lhe ordeno que me diga. Você deve ter em conta que é muito importante para o reino saber quando perderemos um de seus personagens mais importantes. Responda-me: quando morrerá o mago do reino?
Depois de um tenso silêncio, o mago olhou para o rei e disse:
— Não posso precisar a data, mas sei que o mago morrerá exatamente um dia antes que o rei...
Durante uns instantes, o tempo congelou. Só se ouviam murmúrios entre os convidados. O rei sempre dizia que não acreditava em magos nem em adivinhações, mas o certo é que não se animou a matar o mago.
Lentamente, o soberano baixou seus braços e ficou em silêncio. Os pensamentos fervilhavam em sua mente. Deu-se conta de que havia se equivocado: seu ódio foi o pior conselheiro.
— Vossa Alteza está pálida. O que houve? — perguntou o mago.
— Eu me sinto mal. — respondeu o monarca. — Vou ao meu quarto, dormir. Agradeço que tenha vindo.
E, com um gesto confuso, virou, em silêncio, encaminhando-se a seus aposentos.
O mago era astuto. Deu a única resposta que evitaria sua morte. Havia lido a mente? A previsão não podia estar certa. Mas, se estivesse?
O rei estava perturbado. Ocorreu em sua mente que seria trágico se acontecesse algo com o mago no caminho à sua casa. Ele voltou e disse em voz alta:
— Mago, você é famoso no reino por sua sabedoria. Peço-lhe que passe esta noite no palácio, pois preciso consultar-lhe, pela manhã, sobre algumas decisões reais.
— Majestade, será uma honra! — disse o mago, com uma reverência.
O rei deu ordens a seus guardas para que acompanhassem o mago até os aposentos de hóspedes e para que vigiassem a porta, assegurando de que nada passasse.
Essa noite, o soberano não conseguiu dormir. Estava inquieto, pensando em que aconteceria se o mago tivesse problemas com a comida do jantar, ou se sofresse um acidente durante a noite ou se, simplesmente, tivesse chegado sua hora.
Bem cedo, o rei bateu na porta dos aposentos de seu convidado. Ele nunca em sua vida tinha pensado em consultar alguém sobre suas decisões mas, desta vez, enquanto o mago o recebia, fez a pergunta. Precisava de uma desculpa. E o mago, que era um sábio, lhe deu uma resposta correta, criativa e justa.
O rei, quase sem escutar a resposta, elogiou a inteligência do mago e pediu que ficasse mais um dia, supostamente, para “consultar-lhe” sobre outro assunto (é óbvio que o rei queria apenas se assegurar de que nada acontecesse ao mago). O mago — que desfrutava da liberdade que só os iluminados conquistam — aceitou.
Desde então, todos os dias, pela manhã ou à tarde, o rei ia até o quarto do mago para consultá-lo e o comprometia para uma consulta no dia seguinte.
Não passou muito tempo antes que o rei se desse conta de que os conselhos de seu novo assessor eram sempre corretos e tinha usado, sem notar, cada um deles em suas decisões.
Passaram os meses e, depois, os anos. E, como sempre, estar perto de quem sabe torna o que não sabe mais sábio. Assim aconteceu: o rei, pouco a pouco, foi se tornando mais justo. Já não era despótico nem autoritário. Não precisava mais se sentir poderoso e, certamente por isso, não mais necessitava demonstrar seu poder. Começou a aprender que a humildade também podia ser vantajosa. Começou a reinar de uma forma mais sábia e bondosa. Seu povo começou a querê-lo, como nunca havia acontecido antes.
O rei não ia mais ver o mago para vigiar sua saúde: ia realmente para aprender, para compartilhar uma decisão ou, simplesmente, para conversar, porque ele e o mago se tornaram grandes amigos.
Um dia, mais de quatro anos depois daquela festa, o rei lembrou daquele plano que outrora arquitetou para matar a este que, na época, era seu mais odiado inimigo. Deu-se conta de que não podia continuar guardando este segredo sem se sentir um hipócrita. Ele tomou coragem e foi até o quarto do mago. Bateu na porta, entrou e disse:
— Irmão, tenho algo para contar que me aperta o peito.
— Diga-me — disse o mago — e alivie seu coração.
— Naquela noite, quando lhe convidei para jantar e lhe perguntei sobre sua morte, eu não queria saber sobre seu futuro. Planejava matar-lhe diante de qualquer coisa que me dissesse, porque queria que sua morte inesperada desmistificasse para sempre sua fama de adivinho. Odiava você por que todos lhe amavam. Estou tão envergonhado!... Naquela noite, não me animei a matar-lhe e, agora que somos amigos, irmãos, me aterroriza pensar no que perderia se o tivesse feito. Hoje, senti que não posso continuar escondendo minha infâmia. Precisava dizer tudo isso para que você me perdoe o me despreze, porém sem segredos.
O mago olhou para o rei e disse:
— Você levou muito tempo para poder me dizer isso. De qualquer forma, me alegra que tenha feito, porque só assim posso dizer que já sabia. Quando você me fez a pergunta e baixou sua mão sobre o punho de sua espada, sua intenção ficou tão clara que não precisava ser adivinho para se dar conta do que pensava fazer..
O mago sorriu e pôs sua mão sobre o ombro do rei:
— Como pagamento à sua sinceridade, devo dizer-lhe que eu também menti. Confesso-lhe que inventei essa absurda história de minha morte antes da sua para lhe dar uma lição. Uma lição que, agora, você aprendeu. Talvez seja a coisa mais importante que eu tenha lhe ensinado. Nós andamos pelo mundo, odiando e rejeitando aspectos dos outros e de nós mesmos, que julgamos desprezíveis, ameaçantes ou inúteis. Apesar disso, se pararmos um tempo, nos daremos conta de que seria difícil viver sem aquelas coisas que rejeitamos. Sua morte, querido amigo, chegará justamente no dia de sua morte, nenhum minuto antes. É importante que você saiba: eu estou velho, meu dia está próximo. Não há nenhuma razão para pensar que sua partida esteja ligada à minha. São nossas vidas que se ligaram, não nossas mortes.
O rei e o mago se abraçaram e comemoraram, brindando pela confiança que cada um sentia nessa amizade que construíram juntos.
Conta a lenda que, misteriosamente, nessa mesma noite, o mago morreu durante o sono. O rei ficou sabendo da triste notícia na manhã seguinte e se sentiu desolado. Não estava angustiado pela idéia da própria morte. Aprendera com o mago a se desapegar até de sua permanência no mundo. Estava triste simplesmente pela morte de seu amigo.
Que coincidência estranha fez com que o rei pudesse contar tudo ao mago na noite anterior a sua morte? Talvez, de uma forma desconhecida, o mago fez com que o rei pudesse dizer-lhe todas estas coisas para acabar com a fantasia de que morreria um dia depois. Um último ato de amor para livrar-lhe dos seus temores de outros tempos.
Contam que o rei levantou e que, com suas mãos, cavou, no jardim, debaixo de sua janela, uma tumba para seu amigo, o mago. Enterrou, ali, seu corpo. O resto do dia, ficou ao lado do monte de terra, chorando como se chora na perda dos seres queridos. E, assim que chegou a noite, o rei voltou ao seu quarto.
Conta a lenda que, nessa mesma noite, vinte e quatro horas depois da morte do mago, o rei morreu em seu leito enquanto dormia. Talvez de casualidade. Talvez de dor. Talvez para confirmar o último ensinamento do mestre.
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