terça-feira, 23 de março de 2010

Homem raiz

Era uma época de sol quente, daqueles que torram a pele à sombra. Naquela época, sentava-se no banco da praça, todo dia, às doze horas, um velho - talvez velhíssimo - homem, de barba e cabelos grisalhos, compridos o bastante para mostrar a negação à calvície corriqueira da idade.

Este velho homem chorava sob o sol. Chorava quieto, timidamente, e ninguém sabia por que. O chapéu usado vez em quando fazia sombra nos olhos, mas não conseguia esconder as lágrimas que desciam lentamente sobre as rugas. E o mistério se seguia naqueles dias de calor.

Volta e meia alguém abordava o velho senhor. Tentavam puxar conversa, saber o motivo dessa tristeza incômoda. Nada... O velho senhor acenava com a cabeça, educadamente, mas continuava quieto em seu pranto quieto. “É caduco!”, “é louco!”, “é velho, mesmo; ninguém se importa.”, diziam os passantes daquela praça tão desarborizada, cheia de cimento calando a terra e postes roubando o cenário das árvores.

Mas um dia a época de sol quente acabou. Seu fim foi trágico: ventos fortes, furacões, tornados, enchentes... A praça cinzenta onde o velho senhor costumava chorar teve suas calçadas arrancadas e seus postes derrubados. A natureza estava de saco cheio daquele lugar.

Para surpresa de todos, o velho senhor sobreviveu e, com a chegada da bonança, saiu às ruas, visitou os escombros da praça. Pela primeira vez sorriu. Um sorriso de transfiguração divina, um sorriso infantil. Começou a fazer buracos na terra exposta. Pegou do bolso um pacote, e do pacote sementes, que punha com cuidado no chão revolvido.

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