domingo, 14 de dezembro de 2008

Dia sem fim (Parte IV)

De um instante para outro, o mundo que aprendi a contar para alunos, amigos e familiares era para mim um desconhecido. Eu me sentia como um bebê ao ver pela primeira vez a luz do sol. Não entendia como fui, ao mesmo tempo, no mesmo instante, secretário e metalúrgico, profissões que nunca ousei exercer. Minha sensação era talvez igual à de uma girafa arrancada de sua savana na África e presa num zoológico em Nova Iorque. Tudo para mim era alienígena. Eu só conseguia identificar-me a mim mesmo através da Irina de pele branquíssima e olhos pretos.

“O senhor é o único que pode arrumar toda essa bagunça, professor”, disse-me Irina com os olhos de ver pai. “Eu? Arrumar? Arrumar o quê?”, o único pensamento frutífero em minha mente. “Arrumar os mundos que se misturaram”. Segundo minha querida aluna (seria eu aluno e ela a professora?), o sol roxo, os devaneios da minha última noite de sono, as viagens inexplicáveis entre mundos de sóis multicolores, isso tudo era resultado do prólogo de uma tragédia: mundos se chocando, uns contra os outros, e acabando com a realidade em cada um para que exista uma só, onde o Imperador governe.

“Não são universos paralelos!”, exclamou Irina, novamente antecipando-se ao meu pensamento. “São mundos diferentes, não-paralelos, não-lineares. Mundos reais e imaginários. Olhe no seu relógio, professor. Já se passaram dezenove horas de segunda-feira e ainda estamos com o sol, ainda que roxo, da manhã. Veja lá, no fim da rua: aquele vestido de casaca azul. É o Werter!”

Werter não é, nem de perto, meu preferido no mundo da imaginação literária. Então: o que ele fazia ali? Como mundos imaginários podem invadir a realidade? Era o vinho, só podia ser. Mas Irina leu meus pensamentos e arrematou: “Há mundos imaginados tão intensamente que ganham força para preencher dimensões físicas, ainda que não sejam as nossas. Quem sabe eu seja um sonho seu, professor. Para mim o senhor é o professor que eu sempre sonhei em ter: afeto de pai, carinho de amigo e porte de mestre”.

Nunca havia me emocionado com declarações de alunos. Os presentes de fim de ano, carro de som, homenagens... Mas o que Irina disse me tocou de verdade, pois seus olhos negros não vestiam a capa da falsidade. Não me surgiam respostas, agradecimentos. Somente uma vontade forte de beijá-la a testa e foi o que fiz.

“Por favor, Irina, me explique: por que esses mundos – um mais insano que o outro - estão se mesclando? Quem é esse Imperador (tivemos vários)? Por que eu e para quê?”
CONTINUA...

4 comentários:

  1. Nooossa... que pira...os mundos imaginários invadem a realidade.. vou mentalizar bem forte...

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  2. Olá Fábio
    Apenas me resta agradecer suas lindas palavras, que sabor especial têm ao vir do outro lado do oceano.
    Afinal sempre vou manter o blogue. Acredito plenamente em que a amizade é superior ao mau feitio das pessoas.
    Muito obrigado amigo, tudo de bom para si.
    Um abraço deste lado do oceano.

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  3. Ahhhhhhh! Não aguento '-' Quero saber como acabaaa!

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  4. O negócio está ficando cada vez mais intrigante? Agora, essa relação professor-aluna está muito no limite... por mais beijo na testa que esse professor tenha vontade de dar.

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